Importação de carros cresce 55% no primeiro semestre

Importação de carros cresce 55% no primeiro semestre

Depois do fim das sobretaxas para carros importados, que vigoraram durante cinco anos por meio do programa Inovar-Auto, de proteção aos fabricantes instalados no país, o Brasil voltou a comprar mais veículos produzidos no exterior. O valor dos veículos desembarcados no país no primeiro semestre cresceu 55% na comparação com o mesmo período do ano passado e já passa de US$ 2 bilhões neste ano.

Dependendo do país de origem, o crescimento chega a 80 vezes em relação aos seis meses iniciais de 2017 – em função do baixo volume importado até então – e é registrado enquanto as fábricas nacionais ainda operam com ociosidade.

Os dados foram reunidos pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) a pedido do Valor. O crescimento é registrado tanto em dólares como em unidades – já que o volume importado pelo país de janeiro a junho subiu 41% frente a igual período do ano passado, chegando a 115.092 veículos.

O Inovar-Auto vigorou de 2013 a 2017 e aplicava uma alíquota adicional de 30 pontos percentuais do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na importação de carros a partir de determinada cota. Essa cobrança era eliminada se a empresa tivesse fábrica no Brasil ou apresentasse um plano de investimentos em território nacional. Durante todo o período em que o programa vigorou houve queda nos números de importação de carros, mas o regime automotivo acabou condenado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) por protecionismo.

O primeiro semestre de 2018 marca a retomada do crescimento nas importações de carros depois de pelo menos seis anos, incluídos os cinco em que a política de sobretaxas a importados existiu. O crescimento da compra de veículos estrangeiros tem o triplo do ritmo da importação geral do país – que registra elevação de 17%, em valores, no primeiro semestre.

A França – sede de marcas como Renault, Peugeot e Citroën – é quem mais se beneficiou do aumento das compras brasileiras em termos percentuais no semestre. Como o país havia comprado apenas 39 veículos franceses no primeiro semestre do ano passado, houve aumento de 8.353% no desembarque de carros franceses no Brasil, para 3.297 veículos. Em seguida, aparece a Suécia (sede da Volvo Cars), com 760% de avanço – para 1.746 unidades. Em terceiro lugar, o Uruguai – com 432% de avanço, para 1.023 unidades.

Antonio Megale, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), afirma que o fim do Inovar-Auto é o grande responsável pelo aumento dos números de importação – mas diz que o crescimento não deve ser visto com “preocupação”.

Os importados representam a menor parte do mercado brasileiro, mas o aumento na importação já eleva a fatia. De acordo com a Anfavea, 23% dos carros vendidos no Brasil eram importados em 2011 antes do Inovar-Auto e, no ano passado, o patamar havia recuado para 10%. A previsão da Anfavea é que retorne, ao fim deste ano, a 15%.

A entidade diz que os números estão dentro do “normal” esperada pela indústria. “Embora tenha aumentado, não é preocupante. Está dentro da normalidade considerando que as marcas precisam complementar sua produção”, afirma.

O aumento na importação ocorre mesmo enquanto a ociosidade da indústria automotiva nacional está em aproximadamente 40%, segundo Megale. “Hoje há uma capacidade instalada grande no Brasil”, diz. Segundo ele, mesmo que ao menos nove fábricas tenham sido instaladas no país durante o Inovar-Auto, em muitos casos elas não são preparadas para produzir todos os veículos de uma marca.

Por isso, diz, as montadoras estariam optando por trazer de fora modelos “complementares” ao mercado brasileiro. “A fábrica consegue produzir alguns modelos aqui, não dá pra produzir todos. Então elas complementam a linha com mais produtos”, diz.

A busca por importados ocorre em meio ao que os fabricantes chamam de “reaquecimento” do mercado de veículos, principalmente os mais caros. Em geral, os carros de fora são justamente os de maior preço – movimento alimentado pelo crescimento na preferência nacional por veículos da categoria Sport Utility Vehicle (SUV), por exemplo. É o caso da Kia Motors, que está entre as marcas mais importadas e que produz principalmente esse tipo de modelo – cujo preço ao consumidor costuma ser superior a R$ 100 mil.

Leandro Teixeira, diretor de marketing da Volvo no Brasil, afirma que a recuperação da demanda está puxando os números para cima. “Acreditamos que o crescimento dos importados é a convergência de um consumidor voltando à disposição da compra enquanto são ofertados produtos melhores e mais interessantes”, afirma.

O diretor da Volvo diz ainda que o fim do Inovar-Auto não influenciou os números no caso da empresa porque ela não chegava a importar mais que a cota estabelecida por lei.

A tese de reaquecimento da demanda é reforçada pelo aumento da importação de carros fabricados até mesmo em países que já não eram afetados pelo Inovar-Auto devido a acordos comerciais. É o caso de Argentina e México, ainda os principais vendedores para o mercado brasileiro. Os dois países registram crescimento de 46% (para 47.960 unidades desembarcadas no Brasil no primeiro semestre) e 41% (para 29.156), respectivamente.

Já José Luiz Gandini, presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeiva), afirma que o patamar de importações ainda está abaixo das expectativas devido à desvalorização do real frente ao dólar – o que encarece a compra de produtos estrangeiros por quem tem renda na moeda brasileira.

Ele espera que as importações de automóveis cheguem ao fim do ano com um crescimento de 37%. “Os veículos importados sempre foram um balizador do mercado. Aliás, de qualquer mercado internacional, porque são uma referência de tecnologia, de design e, principalmente, de preços”, diz.

Pedro Cavalcanti Ferreira, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (EPGE-FGV), diz que o aumento nas importações é um indicativo de que o mercado brasileiro está se reaquecendo para determinados tipos de veículos, mas ainda não o suficiente para elevar a fabricação nas linhas de produção nacional – por isso, haveria mais importação. Para ele, o Inovar-Auto gerou excesso de capacidade sem melhorar a competitividade das fábricas nacionais. “Demos R$ 7 bilhões para a indústria e nada aconteceu nesses anos todos”.

Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda do governo Dilma, defendeu em artigo publicado neste ano que o Inovar-Auto foi responsável por gerar empregos e investimentos. Além disso, defendeu que houve um aumento nas exportações de veículos pelo Brasil como “um primeiro indicador de modernização e aumento da competitividade dos produtores brasileiros”, mas reconheceu que ainda era cedo para avaliar o programa. Os dados mais recentes mostram que a exportação de veículos brasileiros, na verdade, caiu 6,9% neste primeiro semestre – após o fim do programa.

Relatório patrocinado pelo Banco Mundial fez uma ampla análise no ano passado a respeito do Inovar-Auto e aponta que o programa produziu resultados mistos. Por um lado, diz o documento, o programa reduziu as importações, aumentou a concorrência entre as fábricas nacionais e atraiu investimentos. Por outro, não trouxe instrumentos para aumentar as exportações e aumentar a participação nacional na cadeia global, deixando a indústria brasileira muito dependente da demanda doméstica. Também não conseguiu impulsionar investimentos em pesquisa e desenvolvimento no setor automotivo nem encaminhou soluções para problemas estruturais para os altos custos e a baixa produtividade na indústria.

Mesmo com os resultados efetivos do Inovar-Auto sob contestação, o Congresso Nacional discute atualmente uma medida provisória do governo com mais benefícios ao setor automotivo, por meio do programa Rota 2030. Com impacto fiscal de R$ 3,75 bilhões nos dois primeiros anos, o programa vai conceder às montadoras 15 anos de novos incentivos para pesquisa e desenvolvimento, desconto em IPI de acordo com a eficiência energética do motor e isenção à importação de peças não produzidas no Brasil. Grande parte das emendas de parlamentares aumenta ainda mais os benefícios.

 

Publicado em 19/07/2018 por Valor Online



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